"Direitos humanos e crise: acesso a saúde e medicamentos, alimentos, moradia e renda mínima"

AASP – Webinar

Sp. 10.06.2020

"Direitos humanos e crise: acesso a saúde e medicamentos, alimentos, moradia e renda mínima"

Descrição: Participantes:

Calixto Salomão Filho – “O direito à vida e saúde e acesso a medicamentos”.

Carlos Portugal Gouvêa

Flávia Piovesan – “Covid-19 e Direitos Humanos na América”.

Oscar Vilhena Vieira

Juliana Vieira dos Santos (debatedora)

Marcelo von Adamek (moderação)

 

Calixto Salomão Filho

A crise é grave e a história dos direitos humanos nos mostra que é preciso dar real eficácia aos direitos humanos. As declarações e os mandamentos constitucionais não são cumpridos, como temos visto quanto a recentes questões de raça. Como dar essa eficácia é uma tarefa do direito. Dois destinatários dos direitos humanos, o setor privado e o Estado. Já há muito tempo buscamos agentes que possam cumprir esses direitos. Alguns direitos em ambas as esferas privada e pública. O acesso a medicamentos é restrito. Problemas com patentes de medicamentos. O Sistema Único à Saúde (SUS) compra remédios a preço de monopólios e assim não sobram recursos para médicos e profissionais de Saúde. Tal demanda está no Supremo Tribunal Federal (STF) há muito tempo. Outra medida se encontra paralisada no Legislativo. Sem acesso a medicamentos a preços razoáveis, se tiver faltará a outras demandas no SUS. É preciso uma intervenção na estrutura de Saúde, militância jurídica, para mudar esse cenário. É preciso garantir acesso a medicamentos a preço razoável. Hoje em dia é visto a dificuldade de acesso a crédito, um problema do Estado. A estrutura bancária prejudica o crédito (concentração bancária excessiva). O dinheiro chega ao banco transferido pelo Banco Central, mas não é repartido. O oligopólio bancário prejudica a repartição do crédito. Setor privado, assim, prejudica a eficácia aos direitos humanos. No setor público, também há problemas. Tema sério que nós juristas não estamos combatendo com as armas devidas. Um problema de narrativa econômica. “Economia das Narrativas”, livro que compara curvas de contágio epidêmicas com curvas econômicas. Não se sai dessas narrativas que estamos no Brasil. É preciso que renda mínima seja efetivada. Em tempo de recessão aumentar o meio circulante é uma maneira de garantir renda mínima. Essa narrativa está prevista na Constituição, nos termos do art. 164, § 2º, CF/88. Além de decisão política, é uma decisão jurídica. O Estado deve garantir os direitos humanos. Intervenção estrutural no setor privado (patentes, pex) e no setor público. Modelo social baseado nesses valores é necessário para mudar essa realidade. Militância no STF e outras medidas são necessárias, para que os direitos humanos não sejam meras declarações.

 

Carlos Portugal Gouvêa

A pandemia não é um divisor de águas. Ela acelerou processos tecnológicos, que já vinham ocorrendo em nossa sociedade. A desigualdade é um problema diverso da pobreza, abrange a noção de justiça. É uma busca que pode decair para violência. Países com grandes desigualdades também têm problemas de corrupção. A pandemia evidenciou esse problema da desigualdade. O desenvolvimento da epidemia amplia a desigualdade e essa os efeitos da epidemia. Durante esse período da epidemia, diversas crianças estão sem acesso à educação, em países em desenvolvimento, diferente dos países desenvolvidos. Quem não pode trabalhar dentro de casa acaba por sofrer com o cenário atual. Nos EUA há grandes desigualdades com relação à população negra. Alguns elementos se reproduzem também no Brasil, os negros em nosso país também sofrem grandes desigualdades. Falta de acesso à Saúde e Educação. A pandemia radicaliza essa desigualdade. Os efeitos foram potencializados pela pandemia, porque já estavam presentes. Os pobres já sofriam antes da pandemia. Agora sofrem mais. Os pequenos negócios desaparecem. A desigualdade hoje é marcada pela falta de acesso à Educação. As melhores escolas são acessadas pelos mais ricos. Essa desigualdade escolar nos EUA se liga à desigualdade social, como no caso dos negros. No longo prazo, as formas de combater a desigualdade no Brasil se liga diretamente à promoção da Educação para todos, inclusive, os menos favorecidos.  Países como Brasil devem se comparar aos modelos asiáticos, que investiram por anos na Educação. É preciso investir no ensino básico. A renda mínima é um paliativo, não reduz a desigualdade estrutural. Para isso, alterar as estruturas, é preciso investimentos maciços em Educação. As políticas de renda mínima, por outro lado, têm um custo de sustentar regimes populistas. Os investimentos em Educação seriam melhores do que as políticas de renda mínima.

 

Oscar Vilhena Vieira

Onde o direito pode interferir nesse debate para garantir a concretização dos direitos humanos. Nós vivemos uma dupla crise: a da pandemia (crise grave de dimensões globais, problema de organização social, a ação de coordenação governamental é necessária); a de um governo irresponsável, empenhado no conflito para ampliação da crise. Sem reduzir a crise política não há como tratar da crise da Saúde. A crise é não só uma instabilidade. É sobre a sobrevivência de um sistema político que está em crise. A vida ou o sistema não conseguem sobreviver. O nosso problema central, de um lado, a crise sanitária (necessidade de medicamentos) e, de outro, a realidade política, com outras características diferentes de outros países. O problema que afeta o Brasil é de uma desigualdade profunda. O acesso à Saúde e as pessoas resistirem ao problema social. A desigualdade impacta mais ainda a crise. As pessoas não têm condição de sobreviver em isolamento por tanto tempo. Como o direito pode nos ajudar. O art. 196, da Constituição prevê que o direito à saúde é direito de todos. A primeira obrigação do Estado brasileiro é reduzir os agravos de saúde. Os governantes não podem contrariar esses preceitos, por meio de decretos, pex. Nossa constituição, traz políticas sociais e econômicas. Não devem expor a sociedade a riscos. É preciso saber como o sistema financeiro cumpra a função social, repartindo o crédito entre a sociedade. A coordenação administrativa e política do Estado brasileiro, em relação à Saúde, é preciso ser articulada. Além disso, necessária a função presidencial de construção de coesão social e administrativa. Temos uma crise governamental, onde não se quer governar, abre-se mão da função que lhe foi atribuída, o que é gravíssimo. Não é apenas uma omissão de governar, mas afrontas, flertes com o autoritarismo (“erosão lenta” dos direitos fundamentais). Ministro da Saúde sem ministro. Ministro que nega o racismo etc. Estamos vendo uma situação mais grave, porque há alguém que provoca a crise. O exercício da soberania está a reduzir a nada a legalidade (“Estado de Exceção”) – governo fraco incapaz de realizar políticas sociais necessárias, e agravando ainda mais a crise. Agressão sistémica às instituições, desordem permanente etc. Tem se gerado temor social. Há a possibilidade da quebra de um regime, como tivemos em 1964. Torce para que isso não aconteça. A eficácia dos direitos humanos, da Saúde, etc. nada disso poderá ser discutido, se não preservar a democracia, para enfrentar a pandemia e os problemas estruturais.

 

Flávia Piovesan

Compartilhar duas reflexões. Como compreender os impactos da crise da pandemia nas Américas sob a perspectiva dos Direitos Humanos. Há desafios estruturais agravados pela pandemia. O fato é o quanto o vírus afeta as Américas. ¼ da população não tem acesso à água. Grandes pobrezas. 53% da população vive da informalidade. Primeiro desafio estrutural é a desigualdade social. Nos 35 países da América, há a discriminação racial. Depois, há o problema de gênero que impacta a região. No Brasil, povos indígenas enfrentam condições críticas de sobrevivência. À desigualdade social profunda e o racismo soma-se o problema democrático. Também a grave crise de corrupção na região. O maior teste da democracia, o poder executivo e as forças armadas. Sobre a suspensão dos direitos humanos. A desigualdade extrema endossa a linguagem dos direitos humanos. Deve-se priorizar o direito à Saúde, para proteger vidas. A renda básica deve ser instituída, para salvar vidas. Políticas públicas baseadas em evidências científicas. A flexibilização da propriedade intelectual para permitir o acesso ao medicamento. A função social da propriedade intelectual para salvar vidas. A responsabilidade do Estado em caso de pessoas vulneráveis é preciso ser observada. Outro problema, é preciso garantir a vida das mulheres, por meio de canais alternativos de denúncia. Os índios merecem também direitos, assim como os deficientes, a população LGBT etc. Ampliar a voz dos que têm pouca voz. Quanto ao Estado democrático de direito, é preciso garantir o princípio da legalidade, e outros princípios relevantes. Não há como se falar à Saúde, sem o acesso pleno à informação. Direitos interdependentes se condicionam a realização (liberdade de locomoção, expressão, vigilância digital, privacidade, proteção dos dados etc.). “No one is safe, if everybody isn’t safe”, cita uma autoridade. Tudo isso para maior eficácia dos direitos humanos. Acesso aos medicamentos, ato solidário, de articulação e coordenação de políticas. Este é um momento de grande transformação, de grandes mudanças e de escolhas. Precisamos pensar nosso regime tributário, para reduzir desigualdades. Boa oportunidade para debates essenciais. Há muitas lições sobre a resiliência, os desafios, para construir e reconstruir sociedades mais democráticas, oportunidade para salvar a democracia. Enfim, uma oportunidade para mudar para melhor.

 

Calixto Salomão Filho

Defender renda mínima é defender a retirada da população da extrema pobreza. A população de rua deve dobrar em São Paulo. Precisa diminuir a lotação dos albergues. É preciso programa de habitação, mas habitação provisória em hotéis, é necessária. Usar a capacidade ociosa dos hotéis é uma solução paliativa até que haja meios de realizar políticas mais concretas.

 

Oscar Vilhena Vieira

É inevitável. Há uma certa literatura na ciência política de o Judiciário responder a erosão da democracia. Regimes que resistem aos valores democráticos, as Cortes sofrem intervenções mais duras. Duas perspectivas, o uso das Cortes deve ser mais difuso, um consenso do estamento Judiciário. Entende-se que há uma ameaça à democracia e deve-se agir. Há uma visão estratégica sobre o que se pede. Ação sobre atuação policial nos morros. Exploração maliciosa das autoridades. Não se pode substituir os governantes, mas agir em sua omissão. Outras instituições precisam agir além do Judiciário, como o Congresso e instituições brasileiras centrais pouco atuantes. A construção de uma grande coalização é necessária.  O Judiciário não deve ser o único a atuar. É preciso colocar as frutas em outras cestas.

 

Carlos Portugal Gouvêa

A pandemia nos faz ver a relevância do Estado na Saúde. Estados com melhor estrutura sanitária estão se saindo melhor na crise de Saúde. É necessário maior financiamento, a partir da reforma do sistema tributário. O sistema tributário brasileiro é repleto de distorções, que prejudicam o cenário financeiro. Não há estudos claros acerca do assunto. O Judiciário e o Legislativo devem atuar no contexto. Não só o Judiciário e suas judicializações de temas sociais. É preciso a distribuição da renda mínima. É preciso analisar esse sistema, para articular a renda básica com outras políticas sociais. 

 

Flávia Piovesan

O Sistema Interamericano – como responder ao desafio da eficácia dos direitos humanos. Em todas as frentes, o Poder Judiciário com programas de formação e convencionalidade. Termos de cooperação, redes acadêmicas... O Sistema pode ser um instrumento para efetivar os direitos humanos na região. Já contribuiu contra regimes autoritários, hoje protege pessoas vulneráveis. É preciso defender narrativas de direitos humanos, em oposição a autoritarismos.

 

Oscar Vilhena Vieira

O Judiciário deve ser muito responsível. Quando há lesão ou ameaça a direito, ele é um convocado pela Constituição. Criam-se muitos canais de acesso. O Judiciário não pode substituir-se ao poder executivo. Atos da administração devem seguir legalidade. O Judiciário não interfere indevidamente quando há distorções. Deve responder para barrar medidas abusivas e não se fazer substituir poder executivo.